segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Um país sem eixos de via


Esta semana, uma equipa muito "especial" contratada pelo Instituto Confúcio de Pequim filmou uma das nossas aulas de Taichi. Azar ou sorte a minha, eu tinha tido uma cãimbra e não pude participar (talvez a situação não fosse assim tão grave, mas, pronto, pensei que era melhor não esforçar o músculo...uma pessoa tem de pensar na saúde, né?). Bem, mas isto não significava ganhar o direito de ficar a fazer uma das minhas longas e deliciosas sestas! O menino Jorge e a Pacheco moeram-me o juízo e lá tive de ir fazer de fotógrafa...(na falta de melhor). Entretanto, uma das assistentes do sr. Realizador T-shirt Calvin Klein E Corrente No Bolso das Jeans, à qual eu já tinha dado o nome de Segura O Chá, senta-se ao meu lado e começa a fazer umas perguntas em Inglês. Pensei para mim: mais uma a querer praticar o seu yingyu (=Língua Inglesa)...Eu naquela, e vou fazendo-lhe também umas perguntas e tal...Parece que era uma estudante de Matemática de uma outra universidade de Pequim que ajudava aquela equipa de vez em quando...provavelmente, como Relações Públicas. Uns minutos depois, a conversa acabou. Eu voltei para o meu papel de fotógrafa (ou de reles utlizadora da hiper técnica máquina da Pacheco, como queiram) e a Segura O Chá volta para perto do sr. Realizador T-Shirt Calvin Klein que, entretanto, se cansa de gravar a nossa fantástica turma. Quando dou por mim, tava a dar uma entrevista. Em Inglês, claro...não vá eu chamar-lhes nomes! À minha frente, estavam três rapazes, incrivelmente "cheinhos" dada a média de constituição física dos chineses. Um deles segurava o microfone, outro arrastava a câmara e o terceiro, o que tinha mais funções, mandava arrastar a câmara, encostava o olho e carregava no Rec. Nesta situação em particular, o sr. Realizador T-Shirt Calvin Klein estava a um metro de distância dos seus subordinados, mas geralmente passava o tempo a falar com a sua assistente, a menina Mini Saia. Eu nunca tinha dado uma entrevista, mas nem por isso estava muito nervosa. Aquela situação toda hollywoodesca era demasiado engraçada, demasiado pitoresca, demasiado ridícula! Era impossível não rir. Aqueles três moços a embaraçarem-se nos fios, a impeçarem-se uns aos outros, a darem ordens sem sentido, só para exibir a sua autoridade. Toda aquela encenação (que aconteceu atrás da câmara) chocava com o ar de espanto com que nos olhavam, com que nos olha, aliás, a maioria dos pequinenses. Apesar de haver estrangeiros há tanto tempo em Pequim, espanta-nos que ainda chamemos a atenção, mesmo vestindo calções mais compridos do que os de algumas chinesas ("3.Se vestir ordenamente para as aulas.") e não calçando sandálias de salto alto cheias de pedrinhas, lacinhos, fitinhas e Mickeys! Parece que estamos num planeta diferente, ou que talvez tenhamos recuado no tempo, levando o metro, as sapatilhas Nike e os automóveis Porsche connosco. Olham-nos, analizam-nos bem (quem sabe se para nos clonar! Afinal, são os mestres da imitação.) e não se sentem mal por isso e continuam a olhar, e juntam-se na rua à nossa volta, e pedem para tirarmos fotos com os filhos, e é uma festa! Como se fossemos realmente uma benção, uma passagem para o futuro ou sem lá o quê! Talvez mostrem as fotos "com os amigos ocidentais" aos vizinhos para se mostrarem mais importantes. O que importa no fim de contas para um chinês é a aparência, a impressão. Por isso, é importante ter escrito na mala de senhora "Polo" mesmo que seja falsificado ou ter um carro topo de gama a brilhar, mesmo que a casa seja uma barraca e a loiça esteja por lavar à entrada da porta. O que pode chocar, e choca realmente, muita boa gente "ocidental" são as noções de conforto, de higiene e posse. Os chineses não são (geralmente) simpáticos (pelo menos entre eles), não anseiam por uma sala com um sofá cómodo para passar o serão, nem por um quarto com cómoda, mesas de cabeceira, armário e uma cama, nem perdem tempo a arrumar a casa ou a limpar. Um quarto dá para quatro (quando há quarto). A casa, pode não ser uma casa, mas uma residência. Vivem onde trabalham (porque a habitação é extremamente cara!). O tempo livre, passam-no em parques a fazer exercício físico. Simplesmente, não estão habituados ao "luxo". Mas o que a mim me irrita, é como eles se tratam! São as hieraquias implícitas que até os "subordinados" aceitam e respeitam. Tal como o trio da câmara, é importante mandar, porque se é mais que alguém, mas não porque se sabe mandar (parece-me que a maioria apenas sabe imitar). E porque um tem um carro e o outro uma bicicleta (em que ao longo de quilómetros transporta as garrafas de plástico que recolheu durante toda a semana para ir trocar por uns kuais (RMB)), já pode ser arrogante, falar mais alto e não se sentar daquela maneira super estranha que nos dá a impressão de estarmos na casa de banho. Ainda que talvez esperasse isto, não deixa de chocar. Esta ânsia de serem "ocidentais" ou desenvolvidos...mas as pessoas ficaram no passado. As estradas e pontes, que acabam de ser construídas todos os dias, levam gente que não as sabe usar. Ou talvez que não as use como nós...Em Datong (uma viagem que alguns de nós fizeram, e que vos contarei brevemente), um carro preto, de vidros fumados (como é aliás a maioria dos novos automóveis), entra numa rotunda e vira imediatamente à esquerda sem a contornar, buzindando entre carroças, carrinhas e bicicletas, muito fiéis à sinalização de rotunda, tal como existe no "ocidente". Mas era um carro topo de gama...por isso, podia! E os eixos de via! Esqueçam! Podem fazer uns 500 metros em contra-mão. Meiguanxi! (=Não há problema!)
(texto reposto)